Saudacões, aprendizes! Neste post, mais um capítulo do projeto A queda de Arcádia.
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2- A filha do conselheiro
Agria estava no acampamento, traçando
planos com os outros generais, quando recebeu a notícia da morte de seu pai.
Haviam desbaratado o último grupo de rebeldes da fortaleza de Mor Krazt, e os
sobreviventes fugiram para as florestas ao sul.
-
Mestre Arkley, - Dirigia-se ao mago, que viera da Ilhota dos Ventos há dois
meses. Na casa dos trinta anos, Arkley ainda era jovem para um mestre, mas
recebera o título do próprio rei após sua demonstração de bravura em batalha. -
Forme grupos de batedores. Não podemos marchar com nossas tropas para o
interior da floresta, mas também não podemos permitir que Ishtor fuja.
Era
verdade. A Floresta da Chuva já não era mais território de Arkana. Pertencia ao
povo antigo, com quem as relações não eram tão amigáveis assim. No entanto, se
Ishtor escapasse, com certeza voltaria cem vezes mais poderoso, e isso poderia
representar perigo real ao reino.
- Sim, minha senhora. - O mago concordou. - Juro fazer o que for necessário para trazer o necromante Ishtor à justiça do rei.
Acenou
com a cabeça para o mago. Depois virou-se para um de seus cavaleiros rúnicos: -
Sir Angus, nossos números?
-
Perdemos cerca de três mil homens na batalha do último dia, Lady Agria. - Angus
Runabranca era jovem, apenas vinte e seis anos. Um a mais do que eu, Agria não pôde deixar de pensar. O pai certa
vez lhe propôs aproximar-se do rapaz, uma vez que o jovem era o hereiro da
Torre Branca. Agria abominara tal pensamento. Seu pai costumava pensar primeiro
no ouro e na influência, como era próprio dos grandes senhores. - Nossas baixas
totais giram em torno dos dez mil.
Dez mil homens mortos, e tudo por quê
um velho bruxo enlouquecera. Mestre Ishtor fazia parte do conselho
de Arkana, mas mudou drasticamente após uma investida às terras da noite, da
qual fora o único sobrevivente.
Havia começado a trilhar o caminho da magia negra, um caminho sem volta.
-
Se me permite, Lady Agria, nossa vitória foi avassaladora, ainda que dez mil
vidas tenham sido perdidas. - Ressaltou Sir Baltazar, outro cavaleiro rúnico. -
Vale lembrar de que Ishtor é astuto, aliciou o povo de Mor Krazt à sua vontade
e também contou com o apoio da ordem vermelha. - A ordem vermelha. Uma ordem milenar de piromantes, que desde
incontáveis séculos fora leal aos reis de Arkana. Por algum motivo dobrara-se
pelo mago rebelde. Agria perguntava-se todas as noites o porquê disso tudo.
-
Estou ciente, sir Baltazar. - Baltazar da Grand'Árvore era outro jovem
cavaleiro de sua companhia. Era mais bonito do que Angus, e talvez até mais
habilidoso no manejo da espada e da lança. Além disso, era capaz de preparar um
feitiço para lutar com a espada em chamas que durava por muito mais tempo, e
sabia interpretar runas melhor do que qualquer outro cavaleiro que conhecesse. É só mais outro homem, Agria, como todos os
outros.
Não
que Agria não pensasse em homens. Já se interessou por um antes, o cavaleiro
que partiu seu coração. Há muitos anos, quando ainda era uma garota sonhadora,
treinando com espadas de madeira na Velhatorre, seu pai arranjara-lhe um
casamento com o então herdeiro de Granrio. Era um rapaz mais velho, bonito e
galante. Não era um cavaleiro rúnico, portanto não tinha qualquer conhecimento
sobre magia. Mesmo assim vencia os torneios do rei, tamanha era sua maestria ao lutar sobre um cavalo. Agria o conheceu num destes torneios, no banquete após
os jogos. Dançaram longas músicas, e cada olhar dele a deixava ruborizada.
Quando voltou para Velhatorre com seu pai, não conseguiu tirar seu prometido da
cabeça por meses.
Até
que o viu de novo, no torneio em Cetro Real.
Sir
Jonas Granrios derrubara todos os cavaleiros que enfrentara, e fora proclamado
o maior dentre os cavaleiros do reino. Mas sequer olhou para ela. Homenageou
com sua vitória a filha de Lorde Dalton do Ramonegro, uma moça franzina de
dezesseis anos, com os dentes separados, que havia sido criada como uma donzela
do norte, onde as mulheres não eram permitidas treinarem para a cavalaria. Agria
engoliu o choro em seco, guardando as lágrimas para seu quarto, à noite, quando
estivesse sozinha. Seu pai, obviamente, tomou aquilo como uma ofensa sem
precedentes.
O
pai de seu noivo tentou endireitar a situação, mas não foi capaz de controlar a
rebeldia do filho, que fugiu com sua donzela no dia seguinte. Após o casamento
dos dois, lorde Anton Granrios deserdou o rapaz, transferindo todos os seus
direitos de herança para o irmão mais novo.
Agria
voltou então para Velhatorre, e mergulhou em sua rotina de treinamentos como nunca
antes. O pai jamais a repreendera por isso. Fora consagrada como guerreira
rúnica alguns anos depois, e agora comandava sua própria companhia, respondendo
diretamente ao rei Benfred.
Quanto
ao noivo, caíra em desgraça. Agria não conseguia sentir nada além de pena. Seis
anos após o casamento de sir Jonas, o povo da noite lançou um ataque
avassalador à fortaleza de Águas Escuras. Lorde Dalton foi morto, juntamente
com toda a sua família, a exceção do pequeno Darien, seu filho mais novo. Jonas também escapou, embora não tenha conseguido salvar a esposa ou o filho.
Lembrava-se de que o pai havia mandado um tropa em auxílio à Águas Escuras, mas
elas chegaram tarde. Quando a cidade foi retomada, sir Jonas tornou-se regente
e protetor de Darien, até que o garoto estivesse apto a governar.
Agria
jamais tornou a vê-lo, mas ouvia rumores de que seu antigo noivo tornava-se
cada vez mais frio e distante.
Mas, acima de tudo, não conseguiu enfurecer-se.
Tudo
o que sentia era pena.
Trombetas
anunciaram a chegada de algum aliado ao acampamento, despertando Agria de suas
lembranças de coração partido. Não sou
mais uma garotinha, sou Lady Agria Tormen, uma guerreira rúnica à serviço do
rei. Um mensageiro aproximou-se do conselho e entregou-lhe uma mensagem:
-
Lady Agria, o rei Benfred II convoca-a com extrema urgência. - Desceu do cavalo
e alcançou-lhe um pergaminho enrolado numa fita negra. - Precisa ir para Cetro
Real imediatamente, senhora.
-
Mas o quê? - Um laço negro. Isso só pode
significar... - Aconteceu algo com o rei?
-
Não, minha senhora. O rei está bem. - franziu o cenho antes de continuar: -
Ilhota dos Ventos, Granrio e Águas Escuras foram tomadas pelos Arcadianos. Seu
pai está morto.
Aquilo
atingiu Agria como uma punhalada diretamente no coração.
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