terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A Queda de Arcádia - Capítulo 2

  Saudacões, aprendizes! Neste post, mais um capítulo do projeto A queda de Arcádia. 
  Se você não conhece o projeto, clique aqui para mais informações.

2- A filha do conselheiro

  Agria estava no acampamento, traçando planos com os outros generais, quando recebeu a notícia da morte de seu pai. Haviam desbaratado o último grupo de rebeldes da fortaleza de Mor Krazt, e os sobreviventes fugiram para as florestas ao sul.
  - Mestre Arkley, - Dirigia-se ao mago, que viera da Ilhota dos Ventos há dois meses. Na casa dos trinta anos, Arkley ainda era jovem para um mestre, mas recebera o título do próprio rei após sua demonstração de bravura em batalha. - Forme grupos de batedores. Não podemos marchar com nossas tropas para o interior da floresta, mas também não podemos permitir que Ishtor fuja.
 Era verdade. A Floresta da Chuva já não era mais território de Arkana. Pertencia ao povo antigo, com quem as relações não eram tão amigáveis assim. No entanto, se Ishtor escapasse, com certeza voltaria cem vezes mais poderoso, e isso poderia representar perigo real ao reino.

  - Sim, minha senhora. - O mago concordou. - Juro fazer o que for necessário para trazer o necromante Ishtor à justiça do rei.
  Acenou com a cabeça para o mago. Depois virou-se para um de seus cavaleiros rúnicos: - Sir Angus, nossos números?
  - Perdemos cerca de três mil homens na batalha do último dia, Lady Agria. - Angus Runabranca era jovem, apenas vinte e seis anos. Um a mais do que eu, Agria não pôde deixar de pensar. O pai certa vez lhe propôs aproximar-se do rapaz, uma vez que o jovem era o hereiro da Torre Branca. Agria abominara tal pensamento. Seu pai costumava pensar primeiro no ouro e na influência, como era próprio dos grandes senhores. - Nossas baixas totais giram em torno dos dez mil.
  Dez mil homens mortos, e tudo por quê um velho bruxo enlouquecera. Mestre Ishtor fazia parte do conselho de Arkana, mas mudou drasticamente após uma investida às terras da noite, da qual fora o único sobrevivente.
  Havia começado a trilhar o caminho da magia negra, um caminho sem volta.
 - Se me permite, Lady Agria, nossa vitória foi avassaladora, ainda que dez mil vidas tenham sido perdidas. - Ressaltou Sir Baltazar, outro cavaleiro rúnico. - Vale lembrar de que Ishtor é astuto, aliciou o povo de Mor Krazt à sua vontade e também contou com o apoio da ordem vermelha. - A ordem vermelha. Uma ordem milenar de piromantes, que desde incontáveis séculos fora leal aos reis de Arkana. Por algum motivo dobrara-se pelo mago rebelde. Agria perguntava-se todas as noites o porquê disso tudo.
  - Estou ciente, sir Baltazar. - Baltazar da Grand'Árvore era outro jovem cavaleiro de sua companhia. Era mais bonito do que Angus, e talvez até mais habilidoso no manejo da espada e da lança. Além disso, era capaz de preparar um feitiço para lutar com a espada em chamas que durava por muito mais tempo, e sabia interpretar runas melhor do que qualquer outro cavaleiro que conhecesse. É só mais outro homem, Agria, como todos os outros.
  Não que Agria não pensasse em homens. Já se interessou por um antes, o cavaleiro que partiu seu coração. Há muitos anos, quando ainda era uma garota sonhadora, treinando com espadas de madeira na Velhatorre, seu pai arranjara-lhe um casamento com o então herdeiro de Granrio. Era um rapaz mais velho, bonito e galante. Não era um cavaleiro rúnico, portanto não tinha qualquer conhecimento sobre magia. Mesmo assim vencia os torneios do rei, tamanha era sua maestria ao lutar sobre um cavalo. Agria o conheceu num destes torneios, no banquete após os jogos. Dançaram longas músicas, e cada olhar dele a deixava ruborizada. Quando voltou para Velhatorre com seu pai, não conseguiu tirar seu prometido da cabeça por meses.
  Até que o viu de novo, no torneio em Cetro Real.
  Sir Jonas Granrios derrubara todos os cavaleiros que enfrentara, e fora proclamado o maior dentre os cavaleiros do reino. Mas sequer olhou para ela. Homenageou com sua vitória a filha de Lorde Dalton do Ramonegro, uma moça franzina de dezesseis anos, com os dentes separados, que havia sido criada como uma donzela do norte, onde as mulheres não eram permitidas treinarem para a cavalaria. Agria engoliu o choro em seco, guardando as lágrimas para seu quarto, à noite, quando estivesse sozinha. Seu pai, obviamente, tomou aquilo como uma ofensa sem precedentes.
  O pai de seu noivo tentou endireitar a situação, mas não foi capaz de controlar a rebeldia do filho, que fugiu com sua donzela no dia seguinte. Após o casamento dos dois, lorde Anton Granrios deserdou o rapaz, transferindo todos os seus direitos de herança para o irmão mais novo.
  Agria voltou então para Velhatorre, e mergulhou em sua rotina de treinamentos como nunca antes. O pai jamais a repreendera por isso. Fora consagrada como guerreira rúnica alguns anos depois, e agora comandava sua própria companhia, respondendo diretamente ao rei Benfred.
  Quanto ao noivo, caíra em desgraça. Agria não conseguia sentir nada além de pena. Seis anos após o casamento de sir Jonas, o povo da noite lançou um ataque avassalador à fortaleza de Águas Escuras. Lorde Dalton foi morto, juntamente com toda a sua família, a exceção do pequeno Darien, seu filho mais novo. Jonas também escapou, embora não tenha conseguido salvar a esposa ou o filho. Lembrava-se de que o pai havia mandado um tropa em auxílio à Águas Escuras, mas elas chegaram tarde. Quando a cidade foi retomada, sir Jonas tornou-se regente e protetor de Darien, até que o garoto estivesse apto a governar.
  Agria jamais tornou a vê-lo, mas ouvia rumores de que seu antigo noivo tornava-se cada vez mais frio e distante. 
  Mas, acima de tudo, não conseguiu enfurecer-se.
  Tudo o que sentia era pena.
  Trombetas anunciaram a chegada de algum aliado ao acampamento, despertando Agria de suas lembranças de coração partido. Não sou mais uma garotinha, sou Lady Agria Tormen, uma guerreira rúnica à serviço do rei. Um mensageiro aproximou-se do conselho e entregou-lhe uma mensagem:
  - Lady Agria, o rei Benfred II convoca-a com extrema urgência. - Desceu do cavalo e alcançou-lhe um pergaminho enrolado numa fita negra. - Precisa ir para Cetro Real imediatamente, senhora.
  - Mas o quê? - Um laço negro. Isso só pode significar... - Aconteceu algo com o rei?
  - Não, minha senhora. O rei está bem. - franziu o cenho antes de continuar: - Ilhota dos Ventos, Granrio e Águas Escuras foram tomadas pelos Arcadianos. Seu pai está morto.

  Aquilo atingiu Agria como uma punhalada diretamente no coração.

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