Saudações, aprendizes! Este é mais um post do projeto A Queda de Arcádia. Se você não conhece o projeto, clique aqui para mais informações!
9 . O torneio
Há dias estava preocupado com Jeren. A sobrinha
mal comera desde que partiram de Lago Mardul. Durante a viagem manteve-se
isolada dentro da carruagem, e recusou até mesmo a companhia do filho, Luke. Não
que o jovem tivesse insistido em acompanhá-la. Ocupara-se em fazer o que todo
rapaz de quatorze anos faria em seu lugar: correr atrás do pai.
Uma forte presença paterna lhe faz tanta
falta. Sempre o fez.
O príncipe
negro de Arcádia não era um exemplo de pai. Trebane suspeitava de que Lucian
sequer nutrisse algum sentimento pelo filho, não mais do que por qualquer um.
Luke, por outro lado, era um rapaz cheio de vida. Tinha um bom coração, além de uma aptidão natural para a cavalaria. Mas era ingênuo, a tal ponto de considerar o pai um herói.
E um herói
era tudo o que Lucian não era. Não aprovava as longas ausências do príncipe negro,
mesmo que estivesse em campanha. Entristecia-lhe a infelicidade da sobrinha. Ela
merece coisa melhor. Ela não o ama, e ele não a quer. Que casamento é este? Um
marido que desconsidera a existência da esposa e negligencia o próprio filho.
Como um homem assim pode chamar a si próprio de príncipe?
Temeu quando
Jeren propusera o encontro com Rastler, dias atrás, mas mesmo assim decidiu arriscar.
Queria confiar no seu velho escudeiro, mas não sabia o quanto ele mudara em seu
exílio. Afinal, quinze anos era tempo demais. E as histórias que ouvira não
ajudavam. A fama dos bastardos sangrentos já havia alcançado Arcádia. Nas
longínquas e selvagens terras do leste, Rastler montara uma força de elite
capaz de realizar qualquer missão ao qual fosse paga. Traição, extorsão,
assassinato. Tudo isso era comum entre pequenas tropas mercenárias. Não
conseguia imaginar como aquele garoto bom e leal viria a se tornar um temido
caça prêmios. No começo sentiu um pouco de vergonha. Afinal, treinara um cavaleiro.
Mas então
soube da investida do imperador Caius de Iskarish à Vigia do Leste. Se a tropa
de Rastler não tivesse sabotado o ataque, eram grandes as chances de o príncipe
Ricard perecer em batalha. Rei Teobald choraria pelo filho mais velho, princesa
Lyrien choraria pelo marido, e o povo de Arcádia entraria em luto. Até mesmo
Sir Trebane temera pelo príncipe. Aquele sim é um príncipe ao qual vale a
pena dobrar o joelho. Um homem de princípios, bom, justo e leal. Fiel a sua
esposa e ao seu país. Um verdadeiro cavaleiro.
Embora tenha
sido traição e quebra de contrato, Rastler garantiu a vitória para o primo. E
isso era inegável. Depois da batalha, Ricard o enviou para as montanhas para
reunir os clãs numa investida a fortaleza de Granlago, em apoio ao príncipe
negro, em campanha no sul. Granlago foi tomada e saqueada, e Rastler marchou
até a Ilhota dos Ventos, onde convenceu os Granrios a dobrar o joelho. Audacioso.
Essa sempre fora uma das principais qualidades de Rastler.
Foi difícil,
mas convenceu a sobrinha de que veria Rastler primeiro, para certificar-se de
que não se tornara perigoso. Para seu alívio geral, o rapaz se mostrara um
homem maduro e com a cabeça no lugar. No entanto, o reencontro com sua sobrinha
foi um fracasso dos piores. Embora visse a tristeza de Jeren, Sir Trebane era
incapaz de condenar Rastler por qualquer coisa. É lógico que preferia vê-la
feliz ao lado do homem que ama, ao invés de seu príncipe do coração congelado.
Mas vale lembrar que ambos os homens eram amigos de infância. Logo, como
poderia Rastler ir contra a vontade do rei e tomar a esposa do príncipe?
Não tornara a
falar com Rastler, embora quisesse muito. Cavalgou por dias ao lado da
carruagem de Jeren, pois guardá-la era a sua obrigação. Guardou a porta de seu
quarto em Pedra das Estrelas dia e noite, e não recebera uma única palavra de
sua amada sobrinha, trancada e sozinha durante todo o primeiro dia das
festividades. Uma única criada entrava e saía do quarto, e nunca permanecia
pouco mais do que alguns minutos. Luke passou o dia com os filhos de Ricard,
enquanto Lucian mantinha-se rodeado pelos seus cavaleiros negros. E foi assim
até o pôr do sol. Quando um criado veio informar de que o banquete logo seria
servido no salão principal, foi que Sir Trebane decidiu entrar no aposento para
convencer a sobrinha a deixar a cama.
O quarto era
uma grande sala no topo da torre oeste do castelo, nos antigos aposentos de
Lucian na infância. Embora nenhum dos filhos do rei tenha sido criado em Pedra
das Estrelas, todos possuíam seus próprios quartos para quando visitassem a
capital. As grandes janelas da parede oeste possibilitariam a entrada do sol
poente, mas as cortinas abaixadas lançavam o quarto numa imensa escuridão.
Jeren estava na cama, completamente coberta.
- Minha
senhora. - Não obteve resposta. Não pode estar dormindo. Pigarreou.
Percebeu um movimento sob os lençóis, então continuou: - Minha Senhora, o
banquete do rei será servido em breve, e é indelicado que não esteja presente.
- Não estou
me sentindo bem. - Sua voz está diferente. Estará doente?
- Quer que eu
chame o curandeiro real para vê-la?
- Não. –
Respondeu apressada. - Só preciso descansar. Creio que uma boa noite de sono me
fará melhorar.
Não insistiu.
Mesmo que fosse muito próximo de sua sobrinha, o tempo ensinara-lhe que muitas
vezes o que ela precisava era da solidão. Afinal, ninguém poderia preencher o
vazio que Rastler lhe deixara. De uns tempos para cá, apenas o filho lhe
alegrava. Pelo menos isso. Ela odeia Lucian, mas ama o filho dele. Acima
de tudo, Jeren era um boa mãe.
Ao amanhecer, três criadas entraram no quarto
para cuidar de seu banho. Pensou que encontraria-a revigorada pela manhã, mas
não poderia estar mais enganado. Embora fosse muito bonita, estava com grossas
olheiras, como se não tivesse dormido a noite toda.
- Está
melhor?
- Sim. -
Bocejou longamente. Estranho. O banho matinal deveria ter lhe tirado o sono.
Está parecendo que... Jeren não dormiu. Mas como? Vira-a na cama noite
passada, sentia-se mal. - Dormir nunca é demais. Pelo menos estou melhor.
- O que
estava sentindo?
- Um pouco de
dor cabeça e enjoo. - Sua voz havia recuperado o tom normal. - Espero que não
tomem como ofensa eu não ter comparecido ao banquete.
- Mandei
avisar que estava indisposta.
- Obrigado,
tio.
Luke estava
no salão principal, na companhia dos primos. Tantos. Três eram os filhos
de Ricard. Os outros eram primos mais distantes, netos da senhora Talyrien, a
irmã mais nova do rei. Apressou-se e abraçou a mãe, com todo o vigor que um
garoto de catorze anos poderia dispor. O primogênito de Ricard, Theovan, deu um
passo a frente e cumprimentou:
- Bom dia,
minha senhora. - Curvou-se e beijou a mão de Jeren. - E Sir Trebane, é sempre
uma honra encontrá-lo.
- Príncipe
Theovan. - Sir Trebane admirava a educação de Theovan. Quinze anos, e parece
um senhor. Com a idade dele eu só queria saber de bater no meu irmão com
espadas de madeira. - A honra é toda minha.
- Sir
Trebane! - Agora era o próprio Ricard quem se dirigia ao velho cavaleiro. -
Senhora Jeren, vejo que se recuperou. Lyrien gostaria que se juntasse a ela
para o desjejum. Ela rezou pela sua melhora durante a noite.
- Obrigado, meu
príncipe. - Jeren esboçou um meio sorriso. - Se me dão licença, então. - Fez
uma curta reverência e dirigiu-se a mesa onde as senhoras e senhores do reino
quebravam o jejum.
-
Acompanha-me até a mesa. Sir?
- Claro,
alteza.
- Não
precisamos deste exagero. Um cavaleiro como o senhor pode me chamar de Ricard.
- Lucian estava presente, mas mal notou sua chegada, e muito menos a da esposa.
Sentou-se ao lado de Ricard, enquanto Jeren conversava com Lyrien, a esposa do
príncipe. - Assistirá a justa mais tarde?
- Não a
perderei por nada.
- É uma pena
que o senhor não compita mais. - O príncipe suspirou. - Seria um adversário e
tanto.
-
Lisonjeia-me, meu príncipe. Mas deixo a glória aos jovens.
- E quanto ao
corpo a corpo? - Claro. A disputa do último dia. Os torneios em Arcádia
eram famosos justamente por conta deste evento. Qualquer nobre podia
participar, e formar sua equipe com vinte guerreiros. As equipes lutavam entre
si, todas ao mesmo tempo com espadas embotadas, e o último time que restasse
vencia.
- Obrigado
pelo convite, mas receio ter de recusar. - Doía recusar isto ao futuro rei. -
Não sei o que é uma boa briga já há alguns anos. Eu mais o atrapalharia.
- É uma pena,
senhor. - Ricard sorriu. - Este ano estará difícil. Lucian entrará com uma
equipe forte, e Tharren Raardan formou um time com seus mais ferozes
gritadores. Temo que não possa derrotar ambos se decidirem unir as forças.
Olhou de
relance para Lucian, que bebia de uma taça de vinho, rodeado pelos seus
favoritos. Achava improvável que o príncipe negro unisse suas forças aos
bárbaros Raardan, mas havia muito a se considerar. Para começar, em dois dias
provavelmente Ricard seria rei. E que maneira melhor de humilhar o próprio
irmão derrotando-o na frente de todos.
- Talvez sir
Zemerick? - Perguntou, ao notar a ausência do cavaleiro imaculado.
- Não
participará. - Baixou a voz. - A verdade é que meu primo está cada vez mais
distante. A esta hora da manhã deve estar no templo, rezando. Os deuses são
agora a sua vida.
Sir Trebane
sabia que Ricard também era religioso, mas de uma forma semelhante a seu pai.
Já Zemerick fora criado no Alto Templo em Pedras d'Água, e desde muito cedo
moldado para ser um homem santo. E o aumento recente das forças militares da
igreja era algo que não se podia ignorar.
- Talvez
mesmo minha única esperança esteja em Rastler. - O príncipe pareceu pensativo.
- Conhece-o melhor do que eu, Sir. Acha que ele me apoiaria no corpo a corpo
amanhã?
- Não saberia
dizer, alteza.
Ricard
sorriu.
- Meu velho
cavaleiro, por que é tão sincero. Apenas
diga que Rastler me dará seu apoio.
Riram. Este
era um dos motivos pelo qual Sir Trebane admirava o príncipe Ricard. Das poucas
vezes em que se encontraram, o herdeiro do trono fora amigável em todas. O
carisma de Ricard era tamanho que ele tratava a todos como grandes amigos.
Conversaram
durante todo o desjejum. Percebeu que o sono de Jeren relutava em ir embora.
Vira-a bocejar uma dezena de vezes. Alguém que dormiu a noite toda não deveria
estar com tanto sono.
Então
percebeu. As criadas que iam e vinham. Foi fácil trocar de lugar com uma
qualquer. Uma pequena bolsa de ouro compraria isso. Indisposta, sob os lençóis.
A voz diferente.
Jeren não dormiu. Passou a
noite fora.
Olhava-a de
relance, enquanto conversava com o príncipe. Jeren percebeu os olhares, mas
relutava em encará-lo. Conhecia a sobrinha bem demais. Teria ela fugido para
encontrar-se com Rastler? Não perguntaria isso a ela, pois sabia que ela
negaria. Era natural que, para uma coisa dessas, ela iria querer privacidade.
Afinal, muitas vezes o tio era não mais do que uma sombra. Jeren, você não é
mais criança. E se tivesse acontecido lhe algo? Com certeza o cavaleiro
seria responsabilizado. Podia ver seu irmão dizendo: Sua responsabilidade
era protegê-la, nada mais do que isso. Falhou, irmão. De novo.
Mas seu irmão
estava morto, e isso fora há muitos anos. Não haveria mais como falhar para com
ele.
Quando
Theovan o Implacável quebrou as defesas de Lago Mardul e adentrou a cidade com
treze mil homens, toda a culpa recaiu sobre Trebane. Lorde Theovan ofereceu
bons termos, é verdade, mas Adalbert Mardul não ficou nada contente em colocar
a coroa de lado e dobrar o joelho ao Rei de Arcádia. A pequena Jeren foi tomada
como garantia da vassalagem, e seria criada em Rochaforte. O velho cavaleiro
ainda lembrava-se das palavras do irmão:
Perdeu a guerra, Trebane. Agora nos
tomaram minha amada filha. A culpa é toda sua, irmão.
E desde então
se tornou o escudo juramentado de Jeren. Viu-a crescer em Rochaforte e ser
educada como uma dama, enquanto seu irmão amaldiçoava a tudo e a todos por ter
perdido a coroa. Não demorou muito para que jogasse a vida fora, marchando
inutilmente com não mais do que duzentos homens até os portões de Pedra das
Estrelas, exigindo a liberdade de Jeren e a restituição da coroa de Lago
Mardul.
Quando se
deitava para dormir, sir Trebane dizia a si mesmo que o que foi feito naquele
dia havia sido pelo bem de sua amada sobrinha. Afinal, Jeren era uma refém,
além de uma inocente e doce criança.
Mas toda a
alegria daquele salão o despertou de sua melancolia. Jeren agora era uma
mulher, com um filho crescido e um amor perdido, e tudo o que Trebane mais
desejava era que fosse feliz.
Após o
desjejum dirigiram-se para a arena onde as justas seriam disputadas. A multidão
enlouquecida gritava pelos cavaleiros. A nobreza ocupava os lugares mais altos
do estrado, enquanto que a turba amontoava-se ao redor da pista. Jeren
sentou-se ao lado da princesa Lyrien.
- Sir
Trebane, pensei que fosse participar. - Falou-lhe a adorável princesa. Assim
como seu marido e filho, Lyrien era um exemplo de educação. Afinal, logo seria
rainha.
- Como disse
ao seu marido mais cedo, alteza, deixo essa honra aos jovens. - O barulho era
tanto que o cavaleiro quase tinha de gritar. Olhou de relance para sua
sobrinha, que parecia um pouco melhor. - Além disso, meu lugar é ao lado de
Jeren.
- Tenho
certeza de que ela estaria protegida aqui, sir. - Riu-se divertidamente. - Acha
que meu marido ganha essa?
- É difícil
dizer. Por mais habilidoso que seja o cavaleiro, cada embate pode trazer alguma
surpresa. E este ano há tantos competidores.
- Ricard
venceu ano passado. - Falou a princesa. - Mas o número de participantes era bem
menor. Príncipe Lucian não estava presente. Acho que ele seja o mais habilidoso
dos cavaleiros.
- Ele teve um
bom mestre. - Completou Jeren, elogiando o tio.
- O melhor
mestre, se me permite dizer. - Disse uma voz conhecida atrás de sir Trebane.
- Godrick! -
Exclamou Jeren, virando-se para olhar o amigo recém chegado. Godrick fora um de
seus escudeiros, juntamente com Rastler e Lucian. Agora o jovem havia se
torndado o senhor de Rochaforte. Tinha trinta e dois anos, três filhos e a
maior fortaleza de Arcádia para governar.
- Senhoras. -
Cumprimentou as damas primeiro. Uma grossa cabeleira escura caía-lhe aos
ombros, e uma igualmente grossa barba roubava-lhe a juventude. Diferente,
pensou sir Trebane. Um verdadeiro senhor agora. Em nada parecia-se com o
rapaz franzino que treinara em Rochaforte.
- Estava
começando a pensar que não fosse vê-lo. - E não iria. O pai de Godrick
era Alto Conselheiro do Rei, e isso por si só já seria o suficiente para
representar Rochaforte na coroação de Ricard. - Alegra-me ter mudado de idéia.
- Alegra-me
vê-los também. - Godrick sempre fora muito polido e regrado. E transparente
também. Era óbvio o motivo que o levou a Pedra das Estrelas: reencontrar com
seu melhor amigo, Rastler.
- Sente-se
comigo, Godrick! - Jeren o pegou pelo braço e ambos sentaram-se. Enquanto os
dois ocupavam-se na conversa, o arauto moveu-se para o centro da arena para
anunciar os primeiros competidores.
Normalmente
os de menor renome eram os primeiros a competir,e desta vez não foi diferente.
Sir Trebane sabia pouco e menos ainda sobre as dez primeiras duplas. Percebeu
alguns jovens com potencial, mas nada muito fora do comum. Lucian foi jovem
fora do comum, não pôde deixar de pensar. Godrik e Rastler também. Apesar de
tudo o que acontecera nos últimos anos, Sir Trebane orgulhava-se das
habilidades de seus rapazes.
Somente na
décima primeira disputa foi que um membro da alta nobreza foi anunciado para
competir: sir Dereon de Sigran, o mais novo dos filhos de Lorde Sigran, o mestre dos navios de Arcádia. O jovem cavaleiro fazia parte das tropas
negras de Lucian. O arauto também anunciou seu adversário, um escudeiro chamado
Leo. Um rapaz franzino com não mais do que dezesseis anos, trajando uma
armadura que claramente não era para o seu tamanho.
- Leo? -
Jeren poderou por um momento. - Esse não é o...
- Ele mesmo.
- Respondeu Godrick, de imediato. Então Sir Trebane se lembrou. Pequeno Leo,
era como o chamavam. Leo era o filho bastardo de Godrick, fruto de uma
aventura vivida pelo não tão regrado assim herdeiro de Rochaforte na época. –
Fará dezessete anos no próximo mês.
- É um garoto
magro, muito mais do que você na juventude. Não deveria deixá-lo competir. - O
velho cavaleiro repreendeu o senhor da rocha. - Está tentando matá-lo?
- Ele é muito
melhor do que eu era na idade dele. E ele teria vindo com ou sem a minha
permissão, acredite.
Sir Trebane
não conseguiria aprovar aquilo. Teria Godrick se tornado tão irresponsável?
Os dois
competidores cruzaram-se pela primeira vez. Cada um quebrou uma lança. Com
um pouco de sorte, isso é possível. Mas um garoto de dezesseis anos não consegue
manter o ritmo após levar um golpe desses. Ele será massacrado.
O segundo
embate revelou-se uma surpresa. Leo acertou em cheio o elmo do oponente, sem
quebrar a lança e saindo ileso, o que vale dois pontos. Sir Dereon tonteou e quase
caiu do cavalo, mas manteve-se firme.
- Como isso
pode ser possível? - Sir Trebane estava atônito. - Godrick, isso não pode ser
sorte.
- Este
torneio representa mais para ele do que nós podemos imaginar. Como bastardo,
ele espera que o rei o permita usar meu sobrenome caso vença a competição.
Para vencer,
Sir Dereon precisava derrubar Leo do cavalo, o que mostrou ser incapaz de
fazer. Ambos quebraram as lanças novamente, o que deu a vitória ao bastardo,
para o delírio da turba e o espanto do velho cavaleiro.
A próxima
disputa seria entre Sir Droy Sigran, irmão mais velho de Sir Dereon, contra um
cavaleiro qualquer das terras do rio. Vitória de Sir Droy no segundo embate,
derrubando o oponente do cavalo.
E as disputas
prosseguiam. Tanto cavaleiros negros de Lucian quanto da armada de Ricard
tornavam-se mais comuns. Cavaleiros da igreja também participavam, mas em menor
número. Sir Victor, o irmão de Rastler, derrotou um templário no terceiro
embate.
Lorde Leonard
Mardul seria o próximo, contra Sir Darl, um dos mercenários de Rastler. Mais
um daqueles de conduta duvidosa. Era normal um cavaleiro receber o título
em campo de batalha, e muitos mercenários aproveitavam para se auto proclamarem
como tal. Sir Trebane duvidada de que Rastler tivesse mais do que dois ou três
verdadeiros cavaleiros, em seu grupo de vinte.
Ele próprio
não o era.
Lorde Leonard
era imponente em sua armadura negra, enquanto seu oponente era um velho
esfarrapado.
- Rastler e
Leonard não se acertam, e nos últimos meses os bastardos sangrentos estiveram
em campanha com as tropas negras. – Começou sir Trebane, que sabia da
dificuldade do sobrinho em manter a língua dentro da boca.
- Nunca ouvi
falar desse sir Darl. – Ouviu Godrick dizer. – Sir?
- É um dos
mercenários de Rastler. – Olhou para a sobrinha. – Seu irmão não deveria
competir hoje. Nada de bom deve sair daí.
Dito e feito.
Depois de um primeiro embate equilibrado, o velho desferiu uma investida
violenta, derrubando o adversário juntamente com o cavalo. Leonard teve de ser
socorrido, pois o animal caíra sobre sua perna direita. Esse tipo de ocorrência
muitas vezes colocava um fim à carreira de um cavaleiro.
Sir Trebane
ficou atônito. Poucas vezes em sua vida vira um golpe de lança de torneio
derrubar cavalo e cavaleiro. Aquilo não foi um golpe sujo. Foi perícia.
Reparou que
Jeren sequer abalou-se com o que acontecera ao irmão. Mas isso não era novidade
para ele. Sabia que a sobrinha sentia ciúmes da relação de Lucian com Leonard.
- É um
justador feroz. - Continuou o senhor da rocha. - Conhecendo Rastler, ele deve
ter montado um grupo perigoso.
- Não duvido
da força da tropa, mas não passam de fanfarrões. - Sir Trebane censurava os
bastardos sangrentos. É loucura. Mercenários são sempre inconstantes e
perigosos.
- Talvez
tenha razão, Sir. Mas vale lembrar que Rastler salvou o meu Ricard. - Princesa
Lyrien se manifestou em defesa dos bastardos. - Se não fosse por esses
mercenários, eu seria viúva agora.
E os jogos
continuaram. Depois de incontáveis lanças quebradas e cavaleiros derrubados, as
disputas mais esperadas da primeira rodada estavam para começar:
- Damas e
cavalheiros! - Bradou o arauto real. - No penúltimo combate da primeira rodada,
tenho a honra de apresentar Lucian, o Príncipe Negro de Arcádia.
A multidão
gritou e vibrou. O Arauto continuou:
- Do outro
lado da Arena, tenho a honra de apresentar Lorde Jan Granrios, Senhor da
Margem de Sangue, e o mais novo dos filhos de Lorde Anton Granrios.
O cavaleiro
das terras do rio moveu-se para seu lugar, em sua armadura negra das tropas de
Lucian. Já segurava sua lança e esperava pelo adversário.
Passados
alguns instantes, e nem sinal do príncipe.
E, enquanto
aguardavam, Sir Trebane e Godrick entreolharam-se, pensativos. Isso porque já
tinham uma ideia entre quem seria a próxima e última disputa da primeira
rodada.
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