terça-feira, 8 de março de 2016

A queda de Arcádia - Capítulo 7

Saudações, aprendizes. Neste post, mais um capítulo do projeto A queda de Arcádia.
Se você não conhece o projeto, clique aqui para mias informações.

A guerreira rúnica

Cetro Real era, talvez, a cidade mais bela do mundo humano conhecido. Suas seis torres erguiam-se altas e poderosas como se lanças gigantes estivessem apontadas para o céu. Cada uma dessas torres representava uma das seis essências arcanas estudados pelos magos: fogo, água, ar, terra, luz e trevas. No centro da cidade, o palácio branco era o pináculo daquela civilização, tendo sido a casa dos reis de Arkana por milhares de anos.
Mas toda aquela beleza parecia não atingir Agria naquele dia. Entrou na cidade à galope acelerado, ansiosa pela audiência com o rei. Arturo Benferd III era o rei de Arkana já havia dezessete anos. Como príncipe, fora um destemido cavaleiro rúnico. Aos trinta e dois, seu conhecimento sobre as artes arcanas o tornava o rei mais respeitado em dez gerações, era o que o pai constantemente lhe dizia.


Mas seu pai estava morto, assassinado pelos nortenhos. Como poderia isso ser possível? Lorde Ricardus era um poderoso cavaleiro rúnico, e por anos fora a primeira espada de Arturo Benfred II, o pai do atual rei. A mensagem que recebera no acampamento dizia pouco e ainda menos. E Agria estava ansiosa por respostas.
Desceu do cavalo em frente aos portões de mármore do palácio branco. Andava tão depressa que sua capa esvoaçava às suas costas. Muitos a cumprimentavam discretamente enquanto passava. Outros baixavam a cabeça. Tudo em respeito ao primeiro conselheiro.
O grande salão estava vazio, a não ser pelos criados que se ocupavam com suas tarefas matinais, além de alguns guardas. Agria conhecia bem aquele castelo. Por detrás do trono estava a porta para a sala de reuniões do rei. Inúmeras vezes durante a infância acompanhou seu pai por através daquela porta.
Morto.
Deteve-se por um momento em frente ao trono, tão vazio quanto sua alma. Estar ali fazia-a sentir novamente seus dez anos, vendo seu pai ao lado do rei, aconselhando-o como sempre fazia tão bem. Ricardus Tormen fora alto conselheiro durante todo o reinado do rei Benfred III. Era comum Agria ouvir dizer que muitas vezes era seu pai quem governava. Na juventude, sentia-se orgulhosa de tal comentário.
Mas hoje, sabia que tais palavras saíam principalmente da boca daqueles que não nutriam o respeito e o amor ao qual Arturo Benfred III merecia.
- Sabe, por vezes acho que tudo não passa de uma brincadeira. - Uma voz ao seu lado a fez despertar de seus devaneios. - Todos os dias esperei que ele entrasse pelas portas do grande salão. Até que fui obrigado a acreditar.
Agria virou para o rapaz ao seu lado. De baixa estatura, com não mais do que dezesseis anos. As vestes brancas indicavam um cavaleiro rúnico. Os cabelos estavam escondidos sob o capuz, e tudo o que Agria podia ver eram os olhos azul claros do garoto.
Azul claros como os do rei.
- Príncipe Marion. - Agria caiu sobre um joelho. Certamente o príncipe estava maior desde a última vez que o vira, mas não havia erro. Marion Benfred era o segundo filho do rei, três anos mais jovem do que seu irmão e herdeiro do trono Julius. - É uma honra encontrá-lo, alteza.
- Por favor, lady Agria, de pé. - O jovem estendeu a mão para que pegasse e se erguesse, e assim Agria o fez. - Sinto pela sua perda, minha senhora. Ele fará uma imensa falta para todos nós.
- Obrigado, alteza.
- Meu pai está na sala de reuniões, minha senhora. - Estendeu-lhe novamente a mão. - Se me der a honra.
Ao lado do príncipe, Agria deu às costas ao trono vazio e juntos caminharam ao encontro do rei.
Arturo Benfred III estava em sua sala de reuniões, sentado numa cadeira de espaldar alto em frente à lareira, comtemplando as chamas. Embora com meros trinta e quatro anos, aparentava muito mais idade. Os cabelos louros começavam a branquear, e sua postura cada vez mais curvada pelo peso da coroa de ouro cravejada de diamantes que ostentava sobre a cabeça. Trajava um fino manto branco com runas douradas inscritas nas dobras das mangas.
- Vossa graça. - Agria fez sua reverência, e esperou pelo comando de seu rei.
- Minha querida senhorita Agria Tormen. - O rei levantou-se de sua cadeira e andou até a recém chegada. - Levante-se, senhorita, para que eu possa abraçá-la.
Agria ergueu-se e recebeu o abraço acolhedor do rei. Vira-o há menos de dois meses, antes de partir para dar batalha aos magos rebeldes de Mor Krazt. Estranho pensar que envelhecera tanto em tão pouco tempo.
- Sente-se, lady Agria. - O rei indicou outra cadeira próxima a que estava. - Sente-se e fique confortável, pois há muito a tratar. - Virou-se para o filho. - Marion, sirva uma boa taça de vinho para nossa convidada.
Agria fez conforme lhe foi pedido. Sentou-se em uma cadeira próxima de onde seu rei estava. O príncipe trouxe-lhe uma taça de um vinho, o que a deixou um pouco incomodada.
A bebida era doce e agradável.
Mas para ela era amarga.
- Diga-me, vossa graça. - Agria começou com calma, depois de um longo gole. - O que aconteceu na Ilhota dos Ventos?
O príncipe sentou-se também, e o rei fez o mesmo. Levou ambas as mãos à cabeça e retirou sua coroa, depositando-a numa pequena mesa ao lado de sua cadeira.
- Havíamos perdido Granlago. - Começou devagar.
Granlago, mas como? A fortaleza ficava no extremo norte do reino de Arkana, ao pé da cordilheira do dragão. Sua posição estratégica era de extrema importância nas defesas das terras do rio, uma vez que suas tropas poderiam pegar pela retaguarda qualquer inimigo que sitiasse a Ilhota dos Ventos. Além disso, a própria fortaleza era inexpugnável, nunca antes tendo sido conquistada.
Depois de uma breve pausa, o rei continuou como se tivesse lido seus pensamentos.
- O príncipe negro de Arcádia sitiava Granlago há mais de um mês. - Mais um gole de vinho, Agria não pôde deixar de notar. - Não pude dar a importância necessária que esse assunto merecia por conta da rebelião que suas forças enfrentavam no sul. Confesso que o velho Krazt me assustou mais do que eu gostaria de admitir.
- Não foi sua culpa, pai. Aquele traidor pegou-nos... - Marion começou, mas um gesto de seu pai o fez com que se calasse.
- Um rei também erra, meu filho. O que diferencia reis bons de ruins é a capacidade de reconhecer o erro. - Arturo Benfred III olhou Agria no fundo dos olhos e disse. - E eu reconheço. Perdi as terras do rio para os nortenhos, muito mais do que eles a ganharam de mim.
Agria manteve-se em silêncio, absorta em seus pensamentos. Até que perguntou:
- Então o cerco do príncipe negro superou Granlago... Lucian de Arcádia realmente deve ser um oponente terrível.
- Receio que as habilidades do príncipe negro sejam um tanto superestimadas. - Continuou o rei. - Granlago poderia aguentar o cerco das tropas negras por meses, até mesmo por um ano. Tudo o que teríamos de fazer era esperar que desistissem. Ou até mesmo enviar uma tropa comandada por cavaleiros rúnicos e quebrar o cerco. Seria fácil.
Agria continuava sem entender. Se era tão fácil. Então por quê?
- Subestimei os Arcadianos. - Continuou o rei Benfred III. - Enquanto Lucian cercava Granlago pela muralha sudeste, seu primo Rastler de Rasíris levou seus mercenários pelo lago e entrou furtivamente na cidade pelo norte. Depois abriu os portões do norte e do leste, para que dez mil gritadores das montanhas entrassem e saqueassem a cidade.
- Rastler de Rasíris... - Agria se lembrava do nome, embora pouco mais do que vagamente. - O filho de lorde Theovan, o Implacável?
O rei confirmou-lhe com um aceno de cabeça, enquanto levava o cálice mais uma vez aos lábios.
- Mas... - Agria pareceu um pouco confusa. – O filho de lorde Theovan havia deixado o país há anos. Lembro-me de ter ouvido esta história ainda quando criança. Pensei que estivesse no leste, muito além das fronteiras de Iskarish através das terras vermelhas.
- E estava. - Foi o príncipe quem lhe respondeu. - Rastler de Rasíris fugiu para o leste anos atrás com nada além de um cavalo e uma espada. Quando voltou, liderava uma pequena tropa mercenária. Lutava por quem lhe pagasse. Por anos guerreou nas terras vermelhas, levando seus soldados a uma vitória após a outra. Os bastardos sangrentos se tornaram a companhia mercenária mais bem paga de todos os tempos.
- Mercenários. - A guerreira não poderia sentir mais repulsa. Sentia que tinha um propósito, que morreria para defender seu rei ou seu país. Não lutaria por dinheiro, dizia a si mesma. - Não sabia que o rei de Arcádia contratava mercenários.
- E não contrata. - Benfred III largou o cálice vazio. - Mas o imperador de Iskarish sim. Os bastardos foram uma das muitas companhias que contratou para assaltar a Vigia do leste, na tentativa de capturar o herdeiro de Arcádia. Teria tido sucesso se Rastler não tivesse quebrado o contrato e lutado ao lado do primo.
Agria então entendera. Ao salvar o príncipe herdeiro, Rastler de Rasíris comprou sua entrada em Arcádia novamente. Depois foi o responsável pela queda de Granlago.
- E quanto ao meu pai? - Perguntou. Ainda não sabia de toda a história.
- Ele partiu assim que Granlago foi perdida, por ordem minha. - Olhou-a no fundo dos olhos. - Mas não permiti que levasse homens daqui para combater os nortenhos. Temia que a senhorita fracassasse contra Mor Krazt. Queria minhas forças aqui, para defender a capital caso os rebeldes decidissem marchar sobre nós. Peço humildemente que perdoe-me, senhorita Agria.
No primeiro momento Agria não respondeu. Virou o rosto para o fogo na lareira, enquanto algumas lágrimas escorreram pelo seu rosto. Seu rei havia cometido um erro, não havia como negar. A falta de confiança doía como se tivesse sido apunhalada, mas nenhuma dor era maior do que o luto pelo pai.
- Vossa graça fez o possível e... - Lutou contra as palavras. No fim das contas, era uma dama. - Tenho certeza de que meu pai morreu defendendo este país. - Olhou novamente para seu rei. Aquele rei frágil do qual todos falavam estava a sua frente agora, não aquele poderoso cavaleiro rúnico que parecia reinar apenas em sua imaginação. Não secou as lágrimas. Deixou-as escorrerem. - Tenho certeza de que morreu em batalha, com homens e mulheres corajosos ao seu lado.
- Não houve batalha, minha querida. - Recomeçou o rei, escolhendo sabiamente as palavras. - Recebi uma mensagem do mago conselheiro da Ilhota, mestre Droclau, imediatamente depois da morte de seu pai.
- Uma mensagem... – Agria estendeu a mão e pegou o pedaço de pergaminho que o príncipe empurrava em suas mãos. Estava amassado, e a tinta borrada em diversos pontos.
- Sim. - Marion tomou a palvra, enquanto seu pai ocupava-se em encher o cálice mais uma vez. - Rastler de Rasíris foi trazido em audiência por sir Janos, o herdeiro de Granrio. Ofereceu os termos de rendição a lorde Olaf, que se sentiu inclinado a aceitar, visto que seriam massacrados caso se recusasse. Lorde Anton, sir Jonas e uma dúzia de senhores menores nada fizeram para impedir. - Fez uma pausa. - Seu pai foi o único que não se dobrou aos arcadianos, e quando tentou reagir Rastler de Rasíris o matou. Isso fez com que os senhores do rio se curvassem.
Era difícil de Acreditar. Lorde Ricardus havia sido um cavaleiro rúnico, um dos melhores que Agria conhecera. Que perícia teria Rastler de Rasíris para derrotá-lo?
- Sei que é difícil, senhorita, mas preciso que seja forte. - O rei recomeçou. - Enviei Julius para o sul para terminar o trabalho que começou com Mor Krazt. Fizera um ótimo trabalho. Mas agora preciso da senhorita em casa. Volte para Velhatorre, conforte sua mãe e seus irmãos. É a filha mais velha e, portanto, a herdeira.
Agria ergueu os olhos do pergaminho, que fitava desde que Marion lhe explicara o que acontecera. O rei continuou:
- Levará com você uma força de cinco mil homens, além do exército de Velhatorre que estava com a senhorita no sul. Darei também trinta cavaleiros rúnicos. Marion a acompanhará, ele tem muito a aprender, mas está no caminho para se tornar um grande guerreiro. - Bebeu um longo gole, esvaziando mais uma vez o cálice. - Reúna o restante das forças de seu pai, e vamos dar o troco aos nortenhos.
- Sim, vossa graça. - Agria pôs-se de joelhos. - Como desejar. Partirei assim que as tropas estiverem prontas.
Mas sua cabeça estava longe. Seus pensamentos espreitavam por becos escuros dentro de suas mente, afundando-se dentro das trevas que agora alimentavam todo o ódio que jamais sentira.
Preciso matar Rastler de Rasíris.


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