terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A Queda de Arcádia - Capítulo 5

  Saudações, aprendizes! Neste post, mais um capítulo do projeto A Queda de Arcádia.
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5. O cavaleiro da ruína

- Eu, Jonas Granrios, ofereço minha vida ao serviço do Rei Teobald de Rasíris, hoje e até o fim dos meus dias. - Havia sido o quarto e último dos grandes senhores do rio a prestar juramento ao Rei. O tio fora o primeiro. Lorde Orion Granrios, meu novo suserano. Depois fora a vez do pai. Não podia deixar de pensar o quanto ele se remoía por dentro. Não trocaram sequer uma palavra desde que partiram da Ilhota dos Ventos, e sempre que seus olhares se cruzavam, sentia fogo nos olhos de Lorde Anton. Depois do pai viera o irmão, agora também um grande senhor. Lorde Jan Granrios, Senhor da Margem de Sangue.
- Erga-se. - Disse o Rei, com sua voz fraca e cansada. Teobald de Rasíris, o Conquistador. Era difícil acreditar que aquilo que sentava-se no Trono da Estrela Cadente a sua frente algum dia já conquistara alguma coisa. Não passava de um frágil saco de ossos. O rosto pálido e descarnado, a coroa dourada sobre o que restara dos cabelos brancos. Tivera de ser colocado no trono por dois criados, que o retiraram de sua cadeira adaptada com rodas.



Mesmo assim, seu nome já impunha o devido respeito. Nos últimos trinta e três anos, Teobald de Rasíris triplicou o território arcadiano, conquistando e anexando meia dúzia de reinos rivais à sua fronteira.
Claro que haviam outros na sala do trono, tanto grandes como pequenos. Ao lado direito do Rei estava Lorde Laurent Karz, Senhor de Rochaforte e Primeiro Conselheiro. O Primeiro General estava presente também, Lorde Theovan de Rasíris. O pai de Rastler. Jonas passara a infância ouvindo as histórias sobre suas vitórias em batalha, como quando arrancou o olho do rei da montanha e o submeteu ao irmão. O restante do conselho do Rei encontrava-se mais atrás, mas Jonas não os achou tão interessantes. Sua atenção estava voltada aos três homens que, teoricamente, eram os mais perigosos e influentes de Arcádia: príncipe Ricard, sir Zemerick e Lucian, o Negro.
O herdeiro do trono, Ricard, era o príncipe de todas as canções. O povo gritava seu nome com amor, tal era sua majestade. Já possuía três filhos e, segundo ouvira dizer, sua esposa era uma linda dama dos Campos de Éramon, com o sangue dos antigos reis da floresta em suas veias.
Sir Zemerick era o Grão Mestre da Ordem dos Templários do Céu. Não tomara esposa e nem terras, e seus exércitos travavam uma infinita guerra contra o povo das terras da noite, à oeste de Arcádia.
Será este o meu salvador?
O povo da noite já tirara muito e ainda mais de Jonas. Tornara-se o Senhor de Águas Escuras através do casamento, mas perdera a esposa e o filho pequeno, assim como parte de si.
A verdade era que o Rei Benfred II os vinha desapontando há anos. Se o Rei Mago tivesse mandado reforços, talvez minha vida ainda existisse. Sou apenas uma sombra do que já fui um dia. Sou sir Jonas, o cavaleiro das ruínas, senhor de uma cidade banhada por um rio de sangue. Gostaria de conhecer melhor esse Zemerick, talvez até lutar pela igreja no oeste. Por que não?
O terceiro homem Jonas já conhecia. Lucian, o bastardo do rei. Alguma coisa nele me dá calafrios. Mais velho do que Ricard, mas sem direito algum ao trono.  Magro e pálido, de aparência frágil. Frio como pedra e aparentemente sem emoções. Já ouvira tudo sobre sua perícia como cavaleiro, e testemunhara sua habilidade como comandante em Ganlago. Era de se espantar que um homem aparentemente tão delicado inspirasse tanto medo nos inimigos.
Olhou de relance para o pai. Espero que não faça nenhuma tolice. Lorde Anton estava visivelmente desconfortável com tudo aquilo. Parecia ser incapaz de aceitar servir a Arcádia, ainda menos sob a suserania de seu irmão mais novo, Orion. Este, pelo contrário, estava mais do que satisfeito, e Jonas dava todo o seu apoio ao tio.
Os senhores menores juravam vassalagem agora, cinco dos quais sob Jonas Granrios. Bons homens. Insistiam em chamá-lo de Lorde, embora o próprio Jonas não via sequer um traço de orgulho nisso. Perdera três castelos nos últimos dois anos, e suas terras eram pobres e inférteis. O povo da noite massacrava seu povo, enquanto seu pai e seu rei lhe viravam as costas. Esperava encontrar esperança nesse novo reino.
- Obrigado, Senhores do Rio. - Disse o rei com não mais do que um sussurro quando o último vassalo se levantou. - Que nossa aliança seja eterna e próspera.
- Que os Deuses do Céu iluminem nosso caminho. - Bradou alto e em bom tom o sacerdote real, um homem magro e tão velho que Jonas se pegou imaginando se ele não conhecera, em pessoa, os deuses de Arcádia. Uma prece silenciosa seguiu suas palavras. O rei então continuou:
- Senhores, há outros detalhes a serem discutidos. Todos os assuntos de seu interesse serão tratados ao final desta semana. Temo que estejamos perdendo o início das festividades.
E com uma palavra, Rei Teobald de Rasíris os dispensou. Jonas estava ansioso para voltar a Águas Escuras, e solicitaria reforços para investir contra o povo da noite e retomar suas terras perdidas. Porém, teria de esperar pelo final dos festins. Não temia por suas fronteiras, afinal, um terço das tropas negras de Lucian haviam sido designadas para proteger-lhe as terras que ainda restavam.
Deixaram a sala do trono e tomaram o pátio em direção ao portão norte, pegando a estrada que dava para a vila dos heróis, onde os torneios eram travados. Centenas de tendas e pavilhões coloridos haviam sido montados. No caminho para lá, cavalgou ao lado do irmão mais novo.
- O que achou disso tudo, irmão? - Perguntou-lhe Jan.
- Ainda não encontro palavras para descrever esta cidade. – Nunca vira uma cidade tão grande, a não ser por Cetro Real. Mas a capital de Arkana era mil vezes mais bonita. E cem mil vezes menos fedorenta. - Tio? - Perguntou a Lorde Orion, que juntava-se aos dois na cavalgada.
- Já ouvi muito sobre este lugar, mas sempre julguei as histórias e canções um tanto exageradas. Hoje vi que em muito me enganei. - Jonas era obrigado a concordar com o tio. Não esperava que a arquitetura milenar dos arcadianos pudesse surpreendê-lo. O castelo, que erguia-se alto sobre a formação rochosa que lhe dava nome, era uma espetacular construção datada da era dos deuses, se as histórias fossem verdadeiras.
- Como ele está? - Questionou Jan, lançando um olhar de esguelha para o seu pai.
- Teimoso como sempre. Mas não o culpo. - O velho suspirou. - A verdade é que Arcádia nos pegou de surpresa. Estávamos temendo o mesmo destino de Granlago, e aquele Rastler brincou com a gente.
Jonas sorriu. Rastler de Rasíris. Quinze anos nas terras do além leste e voltou como um líder mercenário. Não é um homem com quem se deva brincar.
Encontraram um grande espaço vazio, num descampado ao pé de uma colina. Dali poderiam ver toda a vila dos heróis, um mar colorido de barracas. Os escudeiros trataram de montar as tendas dos senhores do rio.
As festividades já haviam começado. No primeiro dia seriam realizadas as competições de arquearia e esgrima.
- Pretende competir? – Lorde Orion dirigia-se a Jan, desmontando e entregando suas rédeas a um jovem cavalariço.
- Sim, tio. Mas hoje não. Lutarei na justa amanhã. - Respondeu Jan, que também entregou seu cavalo aos cuidados do garoto.
- Tome cuidado, irmão. Não se esqueça de que ainda somos forasteiros por aqui. – Disse Jonas, ainda sem desmontar. Não lutaria em competição alguma. Houve um tempo em que participaria de qualquer torneio, mas isso fora em outra vida. - Mesmo assim, boa sorte.
- Não vem conosco? - Perguntou Jan, ao ver o irmão puxar as rédeas e dar meia volta.
- Não. Abanou a mão enquanto se retirava. – Não teria graça.
Cavalgou lentamente até a taverna mais próxima. Escolheu o canto mais escuro e mais distante de qualquer cantoria, o que era do seu agrado. Afinal, não havia cavalgado por dias para escutar os imbecis arcadianos bebendo e fazendo farra. Havia dado a Darien o dia de folga. Seu escudeiro era um bom garoto, e seria um grande senhor. Por isso não o queria por perto para vê-lo afogar-se em vinho.
As horas passaram sem que Jonas se desse por conta. Tarde da noite e ainda estava lá, bebendo em seu pequeno recanto de trevas e solidão. Mais morto do que vivo. Dormira e acordara incontáveis vezes sobre a mesa, vomitara e tornara a beber.
- Esse aí não é o cavaleiro do rio? - Ouviu um homem dizer. Não conseguia assimilar bem de onde vinha a voz.
- Tá um bagaço. - Outra voz respondeu.
- Talvez devêssemos levá-lo ao capitão.
- Pra quê? O que o capitão ia querer com um pobre coitado desses.
- Ouvi dizer que ele tem interesse nesses aí.
- Ha! Tá querendo dizer que o capitão tem interesse em vagabundos fedendo a vômito?
- Cale a merda dessa boca. Disse que ele é um cavaleiro do rio.
Jonas sentiu quando os dois o ergueram pelos braços. Em seu estado de quase vida, foi arrastado para fora da taverna e pela estrada afora.



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