segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Cavaleiro Negro

Saudações, aprendizes! Hoje tem conto novo! E com música! Explicações no fim do post...


Cavaleiro Negro

A neblina ainda era densa, de forma que o sereno fazia bem o seu trabalho deixando tudo com aquela umidade irritante do início da manhã. Não que o povo daquele vilarejo em especial fosse dado a reclamações. Muito pelo contrário: em condições normais, os lenhadores já estariam fazendo seu trabalho desde a primeira luz.

Mas não era um dia como os outros. Os lenhadores não estavam no bosque. Um estava, na verdade. E portando seu velho, porém afiado, machado.
Mas não estava a trabalho.
- Rápido! – Estendeu a mão para a mulher depois de abrir caminho, com um golpe, por entre a vegetação.
Corriam o mais rápido que podiam, tentando deixar o vilarejo para trás. Não pensavam em nada: era apenas seguir em frente. Mas era difícil esquecer o fogo e o sangue.
O massacre que presenciaram havia deixado sua marca nos dois.
Com sorte, se distanciariam ao máximo e se esconderiam. Crag esperava que fossem ignorados.

O bosque se abriu num breve descampado para depois desbarrancar às margens do rio. Poderiam atravessar por ali devido à seca dos últimos meses.
Um pouco de sorte, pensou Anekke. Afinal, seria o fim da linha se tivessem encontrado o poderoso rio de outrora.
Abaixaram-se para beber um pouco d’água. Estavam exaustos, e Crag ainda mancava de leve.
Mas estavam perto de escapar. Depois do rio havia outro bosque, ainda mais denso que o anterior. Esperava poder se esconder nele até o outro dia.
Mas uma trombeta tirou sua atenção. Um sopro forte, que anunciava a morte por onde quer que passasse.
E do bosque saíram os cavaleiros, vestidos em metal da cabeça aos pés. À frente vinha líder, o general demoníaco que assombrava o imaginário popular desde o início da guerra.  Haviam ouvido todos os tipos de rumores na taverna. Se metade deles fosse verdade, já estariam mortos.
Foi conduzida por Crag para o outro lado da margem. Em solo seco outra vez, deu-lhe um último beijo. Os cavaleiros pararam antes de alcançar a água.
-Não faça, por favor...  – Anekke choramingou, quando percebeu o que Crag estava prestes a fazer. – Não, por favor! – Tentou puxá-lo, mas não podia com a força do marido.
-Vá, Anekke! – Crag tinha o machado em mãos. O velho machado que fora de seu pai, e do pai dele antes. Que já rachara tanta lenha e derrubara um sem fim de árvores ao redor do vilarejo. – Vou atrasá-los o que eu puder. Vá!
Mas Anekke não se mexeu. Em parte porque não queria deixá-lo. Não poderia suportar que ele ficasse para morrer sozinho.
E também porque estava paralisada de medo, pela visão do homem que desmontara do cavalo e se aproximava sozinho do casal.
Era o general, o senhor da noite, sedento pela escuridão. Vira-o matar inúmeras vezes naquele dia, ainda no vilarejo.
Ele os perseguira pela mata. Obstinado, movido pelo desejo de matar e destruir. Deixara seus homens do outro lado da margem e agora vinha para os exterminar.
Era a sua natureza.
-Vá, Anekke! – Crag gritou mais uma vez. Empurrou-a com força, quase derrubando-a. Sentia o medo na voz do marido. Sabia que ele estava disposto a morrer.
O general avançou na direção deles. Lentamente, como se saboreasse aqueles momentos de terror. Tinha uma espada na mão, a mesma que derramara o sangue de tantos mais cedo. Revestido de metal da cabeça aos pés, trazia a escuridão consigo.
Ele era a noite.
Crag correu. Com o machado na mão investiu contra o general. Mas seu algoz era um perito cavaleiro. Sua espada bloqueou o golpe com a facilidade com que lidava com uma criança, e usou o punho da espada para acertar o rosto de Crag em cheio.
Viu o marido cambalear, cuspir sangue e investir novamente. Viu o general brincar com ele, e viu o restante dos soldados rirem do outro lado do rio.
Mais um golpe, e mais uma vez Crag no chão. Seus olhares se cruzaram mais uma vez e pode ler a palavra nos lábios do homem que amava. Não podia deixá-lo.
Não ia deixá-lo.
E, dali, viu tudo acontecer. Viu o general arrancar o machado das mãos do marido e derrubá-lo de costas. Viu-o pegar Crag pelos cabelos e colocá-lo de joelhos.
E gritou, quando o homem conduziu a espada pelas costas do marido, fazendo-a sair tingida de vermelho pela barriga. Viu a luz deixar os olhos de Crag, e sentiu sua luz interior se apagar de repente.

O homem estava morto. Não havia sido um oponente que tivesse valido a pena, pelo menos não para ele. Em sua mão, a Destruidora de Eras sentia-se cada vez mais saciada com o sangue de mais um inocente. Mas o homem havia sido um fraco, como todos os outros. A mulher, de joelhos à sua frente, chorava.
Avançou para pôr fim ao seu sofrimento.
Pegou-a pelos cabelos, ao som de berros e deleitando-se no desespero dela. Ansiava por sangue derramado. Já não sabia mais dizer se era a vontade dele ou da espada.
Ergueu a arma, para dar o golpe que colocaria um fim ao último dos aldeões da região.
Sangue. A espada pedia por isso. Ela tinha sede. Uma sede que nunca passava.
Desesperada, a mulher agarrava sua mão, ainda aos prantos. Estava preste a matá-la quando viu o anel em seu dedo anelar. Tão fino e brilhante, um pequeno anel de prata...

...Idêntico aquele que dera à Iona no passado, na outra vida. Aquela vida agradável sem guerras ou espadas malignas. Ah, Iona. Aquele sorriso. Suas mãos tocando as minhas, sua boca...
Lembrava-se de querer ser bom. De jurar protegê-la e amá-la para sempre. De...
...Quando os assassinos chegaram à calada da noite, e cortaram-lhe a garganta. De seu corpo sem vida no piso frio, o sangue formando uma poça vermelha e espessa...

...Iona...

A espada caiu de sua mão. Pela primeira vez em anos dominou a vontade da Destruidora de Eras. Lembrar-se de quem era ao lado de Iona fazia-o sentir envergonhado, sujo. A mais breve lembrança de sua amada fazia querer desistir da matança.
Desistir da espada demoníaca e dos poderes que ela oferecia. Sentiu que agora podia.
Soltou a mulher, que se desvencilhou assustada. Ajoelhou-se, enquanto ela se afastava na direção do cadáver do marido. Mas não prestava mais atenção.
Pensava apenas em Iona. A lembrança de seu sorriso a iluminar-lhe aquele dia de trevas.

Anekke se arrastou até onde Crag estava. Morto. Não saberia dizer o que, de fato, estava acontecendo. O general estava imóvel, ajoelhado, e de costas para ela. Poupara-a, e jamais saberia o porquê.
Alguns dos soldados do outro lado do rio começaram a desmontar. Avançaram, com machados, espadas e maças.
Mesmo que o general a tivesse poupado, os outros a matariam. Ou pior. Crag estava morto e sentia que sua vida estava acabada, de qualquer jeito.
Fechou os olhos do marido, e despediu-se dele com um beijo na testa. Eu te amo, Crag. Logo estaremos juntos novamente.
O machado estava quebrado, e de nada lhe serviria. Mas Crag tinha um punhal preso à perna esquerda. Não era uma arma extraordinária, mas serviria para o que estava prestes a fazer.
Estava cansada, sim. Destruída espiritualmente também. Mas reuniu suas últimas forças e engatinhou na direção do general, que parecia perdido para fora das fronteiras do mundo. Os outros a matariam, é claro. Mas ao menos se vingaria do homem que, por pura diversão, destruíra a vida deles.

Mate... Mate... Mate...
Era o que a Destruidora sussurava em sua cabeça. Ouvia essa voz há anos, desde quando a encontrou no fundo de uma masmorra. Agora a voz demoníaca ia dando espaço à lembrança de sua amada.
Era uma época mais simples, quando tudo o que queria era vingança. Vingança essa que o arrastou para a guerra, e desde então lutara e matara mais do que qualquer um antes dele.
Ah, Iona. Como eu a amo. Eu...
Mas a visão de Iona balançava negativamente a cabeça. Em seus olhos, uma expressão de profunda tristeza.
Eu... Não conseguiu encontrar as palavras corretas. Não havia o que dizer. Iona desaprovaria sua vingança, mas ela não entendia. Ela não...
Mate... Mate... Mate...
Cale-se! Sua alma gritava, e pela primeira vez o homem dominou a espada demoníaca. Ou teria tal homem se tornado um demônio? Cale-se! Você serve a mim, Destruidora, e não o contrário!
Sentiu o poder pulsando pelo seu corpo, tanto poder que chegava a dar calafrios. Tudo o que poderia fazer com esse poder de agora em diante. Toda a destruição e o caos.
Toda a matança...
Mas não queria mais. Lembrava-se de Iona e isso o fazia querer estar morto ao lado dela, embora soubesse que depois de tudo o que fizera jamais a encontraria no outro mundo.
Eu te amo, Iona. Sempre amarei...
Um movimento às suas costas chamou sua atenção. Virou-se rápido antes que a mulher do aldeão o atingisse com uma punhalada. Então todos os anos como general das trevas falaram mais alto e, com um soco, derrubou-a.
Juntou a espada como se fosse um ato involuntário. A lâmina ressoava com a energia das almas de todos aqueles que mataram, espada e espadachim enfim se tornavam um só.
Sentia aquele poder como nunca antes havia sentido.
Em mil anos, ninguém jamais dominou meu poder. Era o que a Destruidora sussurrava agora. Eu o sirvo agora, general. Entregue-se à matança! Ah... Estou com tanta sede...
Pisou no peito da mulher caída, e ergueu a espada para desferir o golpe mortal, que selaria de vez seu pacto com a Destruidora.
Se matasse agora, desta vez seria para sempre.
Iona, em sua mente, desaprovava. Mas ela não entendia. Jamais entenderia.
E a espada desceu.

E tudo o que Iona um dia simbolizara, morreu junto com Anekke.

****

Hey, aprendizes! O que acharam do conto? Sintam-se à vontade para deixar sua opinião, juro não contar pro general...

Este conto foi baseado no videoclipe da música General of the Dark Army, da 
banda canadense de heavy metal Unleash the Archers. A música faz parte do álbum conceitual Demons of the Astrowaste, ou seja, faz parte de uma história mais longa e muito interessante. 


O conto que você leu não é uma releitura fiel nem se encaixa na história do álbum. Trata-se apenas de um tributo, uma homenagem à boa música. E consegui autorização da banda para isso, através de mensagens pelo facebbok.

Não consegui colocar o vídeo aqui, então segue o link:

General of the Dark Army Official Video

Para saber mais sobre essa banda incrível, visite a fan page official no facebook!

O som deles é muito bom, heavy metal de verdade e com muita qualidade, então bora lá ouvir!

E para mais músicas da banda, mais links:

Dawn of Ages, Tonight we Ride, Test tour Metal.

2 comentários:

  1. Valeu, Miguel, Obrigado pelo apoio!

    Cara, não POSSO mais escrever sobre isso. Embora eu tenha dado alguns toques pessoais, a ideia básica não é minha. Muitas da situações são exatamente como no videoclipe, e vale a pena dar um conferida no material original!

    E também gostaria de dizer que fiquei satisfeito com o conto, apesar de algumas críticas negativas que recebi. Sinto que narrei a história que queria, e deixei muitos arcos em aberto justamente para o leitor preencher as lacunas que achar necessário.

    Sempre há espaço para melhorar, eu sei. E por isso as críticas são muito importantes.

    Obrigado pelo apoio, mais uma vez,

    E um forte abraço!

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