![]() |
Imagem retirada da internet |
Estava com fome, acima de
tudo. Há dias não comia coisa alguma, e não conseguia pensar em mais nada.
Porque nada mais
importava.
...Dias antes...
-Precisamos de gasolina.
Do contrário, jamais cruzaremos até o outro lado da cidade - Disse o sargento,
dando início à reunião. O sargento não era um homem duro, como seria de se
esperar. Tão pouco uma imponente figura de liderança, com um casacão camuflado
e uma poderosa arma com nome próprio.
Longe disso.
O sargento Ferraz era um
aposentado do serviço militar, que há mais de vinte anos aproveitava os
prazeres da velhice.
E mesmo assim, era o que
aquele grupo tinha mais próximo de um líder, e isso Leo não podia negar.
-Tem um posto dois
quarteirões daqui. - Davi era o mais novo no grupo, além de ser o mais jovem. Um rapaz com não mais do que vinte, mas o último da família. Conhecia bem aquele bairro. - E se pegarmos a avenida, haverão mais dois no
caminho para o centro.
-Já fazem dois meses. Não
devem ter nada. - Não gostava do pessimismo de Renan, mas tinha de admitir que
isso o mantivera vivo até agora. Renan era mecânico antes, e suas habilidades agora se faziam mais do que necessárias - Na minha cidade, posto de gasolina não durou
nem dois dias.
-Renan tem razão. - O
sargento estudou o mapa que tinha em mãos. - Mesmo assim, não posso transportar
trinta pessoas até o outro lado da cidade com a gasolina que temos. Ou vão
todos ou ninguém.
Leo não estava gostando
disso. Se quisesse reencontrar sua família, precisava cruzar a cidade o quanto
antes.
O quanto antes...
-Passamos pela garagem de
uma transportadora dois dias atrás. - Leo disse, por fim. - Muitos pavilhões
pareciam trancados. Duvido que tenham secado tudo.
-Muito bem. - Disse o
sargento. - Renan e Caio vão com você. Levem as caminhonetes. Vou esperar
quatro dias, depois vamos ter que mudar de esconderijo.
Leo tinha uma missão.
...
Estava com fome, acima de
tudo. Há dias não comia coisa alguma, e não conseguia pensar em mais nada.
Porque nada mais
importava.
Não pensava em seus
companheiros, no esconderijo ou na gasolina que havia partido para procurar.
Parecia ter se esquecido,
pouco a pouco, dia após dia.
Renan, ao seu lado, também
não parecia se importar.
Caio já não estava mais ao
seu lado.
Sequer lembrava dele.
Lembrava apenas da fome.
...
O portão de ferro da
transportadora estava trancado, de forma que tiveram de parar as caminhonetes
na rua.
Leo estacionou e desceu,
com o tesourão na mão. Renam e Caio vinham no veículo de trás e ficaram para
dar cobertura.
Uma corrente grossa havia
sido usada para trancar o portão. O cadeado era grande. Leo pensou que os
músculos do braço fossem se romper antes que o tesourão rompesse a corrente.
Mas rompeu. Com um puxão
fez o portão correr solto sobre o trilho.
Renan acelerou e entrou na
transportadora, cantado pneu na direção dos pavilhões trancados.
Cerca de cem metros de
pátio os separava da possibilidade de encontrar gasolina.
Leo voltou para a
caminhonete e os seguiu.
Estavam perto.
...
Estava com fome, acima de
tudo. Há dias não comia coisa alguma, e não conseguia pensar em mais nada.
Porque nada mais
importava.
Renan e Caio eram agora
nomes sem sentido algum. Sons que nada significavam. Não mais que carro, bola,
cachorro ou revólver.
A fome era tanta...
...
-Sei não. Outra corrente,
outro cadeado. - Renan e seu velho pessimismo. - Não dá pra saber. Não abre
isso aí.
-Deixa de ser cagado. -
Caio não tinha muita paciência. Nunca teve. Leo o conhecia desde antes. Trabalhavam juntos na fábrica. Adiantou-se e tirou o tesourão da
mão de Leo. - Daqui essa merda.
Cortou a corrente, e a
pesada porta da transportadora se abriu com um ranger de gelar os ossos.
O maior erro de suas vidas.
E ali, de frente para o
pavilhão recém aberto, os três experimentaram um novo significado para a
palavra inferno.
...
Estava com fome, acima de
tudo. Há dias não comia coisa alguma, e não conseguia pensar em mais nada.
Porque nada mais
importava. Tudo já havia partido. O frio, o calor, a sede, a dor...
Era só fome e fome.
E ninguém ao seu redor
parecia se importar, na verdade.
Leo estava com seus novos
irmãos agora, vagando a esmo em busca da próxima refeição.
Afinal, o mundo já havia
acabado mesmo, e para um zumbi nada mais importava.
Imagino o quão interessante seria as séries apocalípticas mostrarem esse lado.
ResponderExcluirSeria uma maneira interessante de dar uma nova abordagem pro "gênero". Imagina tipo, se tivesse uma série mesmo que procedural, que focasse no como as pessoas virariam o que mais temem.
Valeu, Gui!
ExcluirSempre me perguntei como seriam essas transformações se os infelizes estivessem conscientes de sua situação, mas nada pudessem fazer.
Deu no que deu.
Abraço, véi!
Muito bom, só não curtir as duas frases em loop, sai um pouco do gênero.
ResponderExcluirFora isso, esse conto tá mais que aprovado pra virar um curta
Haha, essa ideia do curta achei massa.
ExcluirVou querer fazer uma pontinha como zumbi!
Valeu, brother, abraço!
Sou amante de histórias de apocalipse, principalmente se elas tratarem de zumbis. Hehe. Ótima sacada de mostrar o outro lado desse gênero. Parabéns!
ResponderExcluirQue bom que você gostou! Embora eu não goste muito da temática de apocalipse zumbi, vários dos meus amigos gostam. E também acabaram gostando do conto, então parece que eu acertei!
ExcluirDe qualquer forma, obrigado pela leitura, Abração!